O que você está prestes a ler é apenas mais um ensaio sobre o quão necessário ou quão abominável são os "proibidões", "bota-pernas", "bootlegs", "tutoriais de slime", ou como você preferir chamar.
O que me mais fez refletir sobre o assunto, atualmente, foi o fenômeno "Bastardinho Revolucionário em Altas Aventura" (também conhecido como "Hamilton"), que gerou muita polêmica pela forma em que seu autor, Lin-Manuel Miranda, sempre abominou e lutou contra todo e qualquer bootleg do espetáculo. O seu argumento é que, entre outros motivos, gravações clandestinas, de má qualidade, interferem negativamente na experiencia que o público teria com esse espetáculo, por isso, deveríamos esperar o lançamento de uma gravação oficial, que estava prometida, para podermos assistir.
Outro ponto considerado grave em relação a disseminação desse tipo de conteúdo é quem faz dinheiro com essas gravações, os chamados "masters", que são aqueles que gravam com o intuito de vender esse material. Todos esses bootlegs conhecidos de espetáculos da Broadway são feitos por essas pessoas, o que acontece é que após alguns meses sendo vendido, ou o bootleg vaza, ou os próprios masters, que já tiveram o retorno financeiro que pretendiam, liberam para um público maior. Já sabemos que gravar um espetáculo é proibido, agora vender um conteúdo que não lhe pertence, é um crime ainda pior.
Ao contrário de que muitos dizem, não acho que desconcentrar o público e os atores seja o argumento mais forte, porque uma vez que você pretende gravar um espetáculo completo, você tem noção de que isso deve ser feito escondido, de modo que nem os lanterninhas, que estão lá com a principal função é impedir que isso aconteça, irá perceber. (Por favor, não olhe nem a hora no celular durante um espetáculo, é o mínimo de respeito).
Mas não estou aqui apenas para falar mal desses conteúdos que enchem nossos corações de felicidade, inclusive, seria muita hipocrisia dizer que eu mesma não consumo esse conteúdo. Ainda usando o Bastardinho Revolucionário como exemplo, que se tornou um fenômeno mundial, está entre os ingressos mais caros da Broadway (o que o torna ainda motivo de piada pelos valores excessivos), e faz pessoas do mundo todo viajarem para os Estados Unidos e Londres para poder testemunhar essa obra de arte ao vivo. Como esse espetáculo ganhou tanta força?
E engraçado o quanto escuto produtores e pessoas que estão nesse mercado falando que 'Hamilton' nunca funcionaria no Brasil, e isso é tema para discutirmos em outro momento, entretanto, é inegável a quantidade de gente que encontramos por aqui que é fã desse espetáculo. Na minha época (tempos não muito distantes), todo fã de musical era doido por três musicais que chamo de santíssima Trinidade do teatro musical: 'O Fantasma da Ópera', 'Les Misérables' e 'Wicked', todos com no mínimo 15 anos de Broadway e Londres, e com exceção de Wicked, ambos tem filmes, gravações de palco oficiais lançadas em DVD (no caso de 'LesMis' três concertos), uma infinidade de "Cast Recordings". E daí, em 2016, vem Hamilton se juntar a esse grupo, quase no mesmo patamar, com apenas um cast recording e um Bastardinho Revolucionário completo no YouTube, legendado.
É inegável que muito desse sucesso, e de tantos musicais se popularizando atualmente, está associado a, primeiro, a facilidade de acesso da trilha sonora pelos aplicativos de streaming, e segundo, a popularização de bootlegs, inclusive legendados. A consequência disso é a criação de fan-bases por todo o planeta, mesmo naqueles países que vivem numa realidade distante do que aquele propõe (é a questão do por quê alguém no Brasil estaria interessado em saber da história de um dos pais fundadores dos Estados Unidos que nem se tornou presidente?). O que torna o fãs mais preparados para chegar em Nova York e Londres procurando alternativas menos turísticas do que apenas 'O Rei Leão', 'Wicked' e 'Chicago', fomentando o mercado como um todo, e tornando outros espetáculos tão atrativos quanto. Talvez agora sejam considerados como opções espetáculos como 'Betleejuice', 'Mean Girls' ou até 'Hadestown' na Broadway, e 'Six', 'Everybody's Talking About Jamie', '& Juliet' em Londres.
Ao mesmo tempo, grande parte desse público não tem dinheiro para ir para Brodway e escolher assistir 'Hadestown'. Dai entra o que eu considero a função mais importante dos proibidões, que é o acesso à cultura. Antes muito limitado às poucas pessoas que tinham dinheiro para viajar para o exterior e assistir os espetáculos que estavam em cartaz, agora, qualquer pessoa com acesso a internet e que tenha um gosto por caçar coisas, consegue encontrar bootleg de praticamente tudo (menos de Lazarus, esse a caçada continua). E mais do que isso, no caso do musical ser montado no país, esses fãs estarão lá para assistir e reassistir quantas vezes for possível, levar mais gente para se se apaixonar junto pelo espetáculo.
Mas nem tudo são flores, né? Se é um espetáculo que está em cartaz aqui no Brasil no momento, pretende viajar pelo país, de fácil acesso, é necessário o mínimo de bom senso e pelo menos esperar um bom tempo após ele sair de cartaz, para compartilhar esse tipo de conteúdo. Compartilhando algo que está em cartaz no seu país, você está prejudicando os atores e toda a produção, que dependem da venda de ingressos. O meu pedido aqui é apenas, pare um pouco e pense antes de sair compartilhando todo tipo de conteúdo, se essa ação é mesmo necessária, ou vai ficar tudo bem se você não compartilhar.
E você? O que acha sobre isso? Concorda que os "bota-pernas" são importantes? Ou acha que está vazando mais coisa do que deveria? E claro, qual o seu nome preferido que você já viu de bootleg?