Em recente viagem de trabalho à capital Argentina tive uma brecha na agenda muito atribulada e, quiseram os Deuses do Teatro que minha noite livre caísse justamente na data da sessão fechada para patrocinadores do espetáculo Franciscus, do qual havia ouvido falar através de uma amiga jornalista que teceu os maiores elogios meses atrás quando esteve em Buenos Aires. Era o único musical em cartaz nos palcos portenhos que eu estava absolutamente enlouquecida para assistir e não queria perder por nada.
Fui até a porta do teatro, na cara e na coragem, disposta a pagar o que fosse por um ingresso, sabendo que sempre sobra alguma poltrona. Cogitei pedir “standing room”, prática bastante comum nos Estados Unidos, mas que por aqui jamais ouvi falar. Tamanha era minha vontade de assistir o sucesso aclamado por público e crítica na Argentina.
Pedi na bilheteria para falar com alguém da produção e apareceu Matías Baraviera, jovem produtor que foi muito solícito ao ouvir o meu pleito desesperado, e para minha surpresa me convidou para a sessão que estava por começar. Não podia acreditar na minha sorte.
O mote do espetáculo é a vida de São Francisco de Assis, contada em números musicais originais, numa história que se divide entre os dias atuais e o período em que o Santo viveu. Na dramaturgia da atualidade, uma família sofre com a internação repentina de um menino, Francisco, cuja mãe demonstra pouquíssima fé. No núcleo “franciscano”, a busca de São Francisco pela simplicidade e a criação de sua igreja são apresentados através de lindas canções brilhantemente executadas por vozes afinadíssimas em interpretações comoventes.
O cenário é grandioso. Tanto que foi necessário adaptar o teatro para recebê-lo. A montagem utiliza-se constantemente de recursos multimídia. Por vezes, a impressão é a de estar num cinema. Em seguida a ação por trás da tela se mistura e quando percebemos, estamos vendo os atores representando ao vivo. Tudo muito bem executado e orquestrado, sem qualquer erro. O colorido dos figurinos está em perfeita sintonia com a cena, com destaque para os trajes do “carnaval”, que são deslumbrantes. Os elementos cenográficos que, como por milagre, descem do teto são um show à parte. Uma das grandes surpresas da noite ficou por conta de uma “pomba amestrada”, que simplesmente roubou a cena por alguns minutos, deixando todos boquiabertos com sua precisa “atuação”.
A narrativa emociona e ultrapassa qualquer barreira idiomática, estando acima até mesmo de questões religiosas. Não se trata de um espetáculo de cunho católico, e sim um testemunho de fé e esperança, valores universais com os quais todos os seres podem se identificar apesar de suas crenças.
Franciscus levou grande parte dos prêmios dedicados à indústria dos musicais argentinos em 2016. O musical encerrou a sua temporada no último domingo tendo sido assistido por milhares de espectadores que lotaram as 5 sessões semanais do Teatro Broadway na Calle Corrientes desde Abril, aplaudindo de pé os 60 artistas em cena. Se poderemos assistir uma versão deste impactante espetáculo nos palcos brasileiros, ainda é uma incógnita. Fato é que, sentada naquele teatro, ainda anestesiada pela sorte de ter conseguido assistir um dos melhores musicais dos últimos tempos (quiça da minha vida!), não podia parar de pensar em como ficaria um Franciscus brasileiro.